E A NOSSA SAÚDE MENTAL, COMO VAI?
Por conta de minha atuação em psicologia clínica, recebo diariamente pessoas em sofrimento mental e muitas delas vêm em busca de acolhimento e ajuda para vivências que elas estão considerando difíceis. Umas vêm por estarem passando pelo luto diante a perda de uma pessoa querida, às vezes é porque receberam um diagnóstico de uma doença grave, também pode ser por conflitos conjugais ou familiares, por dificuldades na interação social, outras estão passando por um ciclo vital, como a gravidez ou a terceira idade, por exemplo. Há também aquelas para as quais “está tudo certo nas suas vidas”, que têm “tudo o que as pessoas gostariam de ter”, mas, que apesar disso, estão se sentindo exaustas, paralisadas, desesperançadas, sem vontade de fazer as coisas que lhes davam prazer, falta-lhes sentido para um viver suficientemente satisfatório. Todas essas situações expressam sofrimento mental, algo que se tornou mais frequente nos dias atuais. É comum nas conversas cotidianas ouvirmos as pessoas queixarem-se de que estão se sentindo ansiosas e depressivas, que sua saúde mental não vai bem.
Dados preocupantes do INSS sobre afastamento do trabalho nos fazem pensar como está a saúde mental do brasileiro, principalmente do trabalhador e da trabalhadora. No ano passado, foram 472 mil solicitações de afastamento autorizadas por questões de saúde mental. Em 2003, foram 283 mil benefícios concedidos por esse motivo. Tivemos um aumento de 67% em um ano, é muita coisa. O perfil das pessoas atendidas se refere a mulheres e homens com idade média de 41 anos, na sua maioria com quadros de ansiedade e de depressão; mulheres (64%), homens (36%). Observamos aqui uma questão de gênero importante. Estudiosos apontam que mulheres têm sua saúde mental fortemente abalada por fatores sociais: a dupla jornada de trabalho, responsabilidade do cuidado familiar, a menor remuneração, e a violência. Importante considerar nesse aumento de pessoas em sofrimento mental, que recém saímos de uma pandemia e respectiva necropolítica governamental no trato dela, o que afetou grandemente a vida de todos nós.
Enfatizo que é da condição humana passar por momentos de ansiedade e de depressividade, e que é compreensível a presença de sentimentos de preocupação e tristeza em relação a vida cotidiana. Faz parte da constituição do ser humano tonalidades afetivas como essas, visto que ele é ser no mundo com os outros. Assim sendo, não necessariamente essas tonalidades afetivas precisam de tratamento, principalmente o medicamentoso. Mas como se manifestam de forma mais intensa esses sofrimentos mentais mais frequentes?
A ansiedade possuiu um componente que é a expectativa apreensiva, um temor que não se sabe de onde vem, uma sensação de que algo ruim vai acontecer. As pessoas se referem a ela como um aperto no peito, uma dificuldade de sossegar, de ter tranquilidade. É difícil controlar essa apreensão, há uma inquietude, uma sensação de estar sempre com os nervos à flor da pele. A pessoa fica irritada facilmente, se mostra o tempo todo muito tensa. O sono também fica comprometido, é sentido como “leve”, sem efeito reparador. A ansiedade também costuma trazer sintomas de ordem cognitiva, como dificuldades de concentração e de memória.
A depressão, por sua vez, traz uma sensação de tristeza, de apatia, autodesvalorização e sentimento de culpa. Há uma perda da capacidade de sentir alegria e prazer. A vida se apresenta desprovida de sentido, tudo parece vazio, o mundo é sentido como “sem cor” e inóspito. As pessoas neste estado se sentem um peso para os outros, principalmente para os familiares, e se recriminam por isso. Há uma lentificação do pensamento, falta de vontade e iniciativa, perda do interesse sexual, falta de apetite e dificuldades com o sono (dormir muito ou não dormir). O sofrimento pode ser percebido como insuportável e interminável, e quando isso é intenso a pessoa pode pensar em suicídio como forma de acabar com seu sofrimento. Aliás, não é incomum aparecer nas autópsias psicológicas de pessoas que morreram por suicídio uma depressão mal diagnosticada.
O sofrimento mental é um fenômeno complexo e multifatorial. Da mesma forma que aspectos fisiológicos, neuroquímicos, emocionais, psíquicos, sociais e ambientais concorrem para seu delineamento, seu tratamento também precisa contemplar esses aspectos. É importante o tratamento medicamentoso bem orientado, mas também é imprescindível o acompanhamento psicológico, para que a pessoa possa compreender sua dinâmica psíquica, seu modo de constituir-se como sujeito, sua forma de relacionar-se, para que possa fazer escolhas melhores para si, construindo um projeto existencial que faça sentido para si, dando-lhe esperança e apreço pelo viver. Também é preciso que a pessoa seja cuidada no âmbito coletivo, que sua família encontre respaldo para cuidar de seus membros, que haja políticas públicas que ofereçam amparo para que o sujeito se singularize e reconheça em si a humanidade.
Da mesma forma que procuramos os profissionais especializados para dirimir uma dor no corpo, precisamos procurar os profissionais especializados para a dor psicológica, para o sofrimento mental. Aliás, muitos desarranjos no corpo são devido a sofrimentos mentais e vice-versa, afinal somos seres unitários. Pode-se procurar pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que possui a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), com seus dispositivos voltados para essa complexidade da saúde, tais como os CAPS e Emergência Psiquiátrica. Outra opção são as clínicas escolas das Instituições de Ensino Superior. Na UEM, por exemplo, temos a Unidade de Psicologia Aplicada e o Ambulatório de Psiquiatria. Também se pode recorrer a rede privada de assistência a saúde mental. O que não pode é estigmatizar o sofrimento mental e deixar a saúde mental de lado. Mas nem tudo se consegue sozinho.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que a saúde mental é um estado de bem-estar vivido pelo indivíduo, estado esse que possibilita o desenvolvimento de suas habilidades pessoais para que ele consiga responder aos desafios da vida e contribuir com a comunidade. Só por essa definição podemos apreender que a saúde mental de um indivíduo não depende exclusivamente dele; são necessários suportes que lhe ofereçam condições para “desenvolver suas habilidades”, tais como acesso à educação, aos bens culturais, às políticas de saúde e de amparo social, ao lazer, à moradia digna, ao trabalho, para citar as de ordem mais importantes imediatas. Para responder “aos desafios da vida”, o indivíduo necessita ter suas necessidades básicas atendidas, precisa se sentir pertencente a um grupo social, a uma comunidade, precisa ser tratado com dignidade e com respeito, precisa ter segurança a sua integridade física e moral, precisa se sentir validado e apreciado pelos seus próximos e pela sociedade. Tendo essas questões garantidas, muito possivelmente ele terá como “contribuir com a comunidade”, criando e ofertando a ela bens de ordem material e imaterial, na maior parte das vezes por meio de seu trabalho. Eu costumo dizer que para se ter saúde mental é preciso cuidar bem do viver, e cuidar do viver não é algo que se refere apenas a uma pessoa ou a sua família, é muito mais amplo, é projeto social, é projeto político, é projeto coletivo. Cuidar da saúde mental, então, não se refere somente a cuidar do bem-estar individual, é cuidar do coletivo e de tudo o que nos tornou e nos torna humanamente sensíveis.

Lucia Cecilia da Silva é docente aposentada da Universidade Estadual de Maringá, onde ainda atua voluntariamente como pesquisadora sênior do Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo, com pós-doutorado pela Université Paris 7. Atua como psicóloga clínica no Veredas Instituto de Psicologia, Arte e Cultura, em Maringá.