‘Há uma espécie de coronelismo intelectual’

Clipping 25-04-11
odiario.com
O jornalista e escritor Laurentino Gomes, nascido em Maringá, ficou conhecido para o grande público ao escrever os livros de divulgação histórica "1808" (Editora Planeta) e "1822" (Nova Fronteira), focados na época colonial e início do Império do Brasil. Juntos, os dois títulos já venderam mais de um milhão de cópias.

Na última segunda-feira, no entanto, Gomes esteve na UEM para palestra cujo tema central era a agricultura. Completando a mistura, o auditório em que Gomes deu sua palestra na UEM está localizado no departamento de Matemática.

Para o escritor, a capacidade de transitar em várias áreas está relacionada à sua atividade jornalística, na qual a pesquisa permite que se fale dos mais variados assuntos, tornando temas complexos atraentes para as massas.

Deve se usar uma linguagem simples, mas sem banalizar o conteúdo. Assim, a agricultura foi o gancho para o escritor falar sobre a vinda da família Real para o Brasil, e como a corte introduziu mudanças na área.

Gomes também falou a O Diário sobre os ataques que recebe de setores da Academia por supostamente banalizar a História. O escritor atribuiu parte das críticas à inveja.

Durante a entrevista, a reportagem informou Gomes que seu site havia sido hackeado: quando se clicava num link para ter acesso gratuito ao primeiro capítulo de seu "1822", o que aparecia era uma crítica negativa ao seu livro, atribuída à professora da USP Cecília Helena de Salles Oliveira.

O escritor soltou um "que horror!" e logo pediu para assessores corrigirem a página. "Mas as críticas na Academia são pequenas perto dos elogios que venho recebendo", disse.


Laurentino Gomes
"Há um leitor novo entrando no mercado, que não está habituado a ler e precisa ser estimulado ao prazer da leitura. Temos de usar uma linguagem agradável’’.

"Eu tive uma vida muito difícil aqui. Precisava estudar à noite e trabalhar durante o dia. Fui sapateiro, empacotador de supermercado, jardineiro, mecânico, ganhava salários ridículos.’’.

O Diário - A que o sr. atribui o hackeamento do seu site?

Laurentino Gomes - Eu acho lamentável. É natural que um escritor enfrente críticas. Qualquer coisa que você faça na vida, se for relevante, vai ter gente que gosta e gente que critica. E às vezes eu sinto que essa crítica é muito corporativista, de gente que não gosta de ver um jornalista fazendo sucesso com um livro de História do Brasil. Eu acho que isso é uma resistência ao papel da imprensa, como se ela não pudesse fazer obras relevantes, de grande aceitação pública, sobre assuntos que são de domínio acadêmico. Como se um jornalista não pudesse escrever sobre psicologia, medicina, economia.


O Diário - Na sua palestra, o sr. falou em "linha tênue" para descrever o ato de escrever para as grandes massas, mas sem banalizar a História. Antes de escrever seus livros, o sr. já antecipava alguma dessas críticas do meio acadêmico?

Laurentino Gomes - É importante levar em conta que as críticas têm sido muito pequenas em relação aos elogios, mesmo no meio acadêmico. Um dos historiadores que mais admiro hoje, o José Murilo de Carvalho, recomendou que a Academia Brasileira de Letras me desse o prêmio de melhor ensaio de 2008 [pelo livro "1808"]. Mas as críticas não me assustam. Se meu livro tivesse sido um fracasso, eu certamente não teria crítica nenhuma. Eu sou jornalista há 34 anos, e o jornalista não consegue agradar todo mundo. Há interesses contrariados. E um livro de História, por incrível que pareça, embora trate de um assunto de 150, 200 anos atrás, contraria interesses sim. Entra em territórios em que há um domínio, uma espécie de coronelismo intelectual. "Eu sou dono desse assunto, não entre aqui que você vai levar paulada". E você faz sucesso e leva paulada. Mas tudo bem, eu estou preparado. Não me assusta nem tira meu sono.


O Diário - E como o sr. particularmente buscou escrever para o grande público sem banalizar os assuntos?

Laurentino Gomes - Esse é o desafio. O segredo é pesquisar muito, fazer a reportagem bem feita, não ficar no banal. A única forma de se proteger da crítica é fazer uma boa reportagem. Jornalista que não apura bem o assunto, confia numa única fonte, que não vai para a rua e fica refém da Internet na redação corre um risco muito grande, porque está exposto ao questionamento de especialistas.


O Diário - O sr. considera o seu livro como jornalismo?

Laurentino Gomes - Sim, é um livro-reportagem, não um livro acadêmico. É baseado em uma pesquisa muito extensa e profunda. Trabalhei dez anos na pesquisa do "1808" e mais três anos na do "1822". Assim eu me protegi, fazendo pesquisa. E vou fazer a mesma coisa com o "1889" [próximo livro anunciado de Gomes, que abordará a Proclamação da República no Brasil].


O Diário - Já tem previsão de lançamento para o livro "1889"?

Laurentino Gomes - Em 2013. Estou pesquisando, tenho uma bibliografia de cem livros. Já li 20 e tenho 80 na espera. Estou parando de fazer eventos para me dedicar só à pesquisa. É assim que vou procurar me defender das críticas que certamente virão, porque se tem um assunto polêmico no Brasil é a Proclamação da República. Até hoje há muita divergência sobre isso, é preciso apurar bem.

 
O Diário - Até que ponto o sucesso do seu primeiro livro foi inesperado? Como esse sucesso o afetou?

Laurentino Gomes - Uma repercussão como a do "1808" tem um grande poder de transformação. Transforma os leitores - eu percebo que eles são muito gratos, muita gente manda e-mail, elogia, pede que eu não pare de escrever, o que é uma mensagem muito forte; transforma o mercado editorial, editores, distribuidoras e livrarias. E transforma também a vida do autor: eu fui pego de surpresa, não esperava que uma obra sobre História do Brasil pudesse ter a repercussão que teve. Tive de largar um emprego importante que tinha, de executivo da Editora Abril, e fui cuidar de livros. É só o que faço hoje, é meu trabalho em tempo integral. E me sinto muito estimulado para continuar, apesar de críticas injustas que recebo, como a do cara que vem hackear meu site, enganar o internauta.


O Diário - Como o sr. entende o papel da literatura de divulgação científica?

Laurentino Gomes - O Brasil está mudando rapidamente, está havendo uma maior distribuição de renda, de oportunidades e educação. Há um leitor novo entrando no mercado, que não está habituado a ler e precisa ser estimulado ao prazer da leitura. Temos de ser generosos e usar uma linguagem agradável, didática. É uma responsabilidade nossa de ajudar o leitor a aprender a ler, em todas as áreas do conhecimento: não é só autoajuda e esoterismo, literatura barata. Isso inclui história, psicologia, astronomia.


O Diário - O sr. já falou em "linguagem rebuscada" para definir a linguagem acadêmica, e isso causou polêmica. O sr. mantém o termo?

Laurentino Gomes - Mantenho. Eu não peço que um historiador escreva como bom jornalista. Mas se ele quer se comunicar com um público mais amplo, não pode usar linguagem acadêmica e achar que vai fazer sucesso. E principalmente criticar o jornalista que faz isso, porque aí é má-fé. São os coronéis da História do Brasil.


O Diário - O sr. poderia falar das recordações de sua juventude em Maringá?

Laurentino Gomes - Eu tive uma vida muito difícil aqui. Precisava estudar à noite e trabalhar durante o dia. Fui sapateiro, empacotador de supermercado, jardineiro, mecânico, ganhava salários ridículos. Eu não curti a cidade como gostaria. Foi um aprendizado, mas foi uma lição muito dura. Agora eu volto, dou palestras na Universidade, sou elogiado pelos professores e alunos, estou colhendo os frutos do que plantei há 40 anos. Mas naquela época foi realmente muito difícil, as recordações não são das melhores.

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